Desde minha adolescência eu me considero um feminista. Simplesmente ouvi a palavra e olhei no dicionário (infelizmente há mais de 14 anos não tínhamos internet, e muito menos o google...). E estava lá:
Feminismo: Movimento que luta pelos direitos iguais entre os
sexos.
E minha reação foi automática e completamente natural:
Legal, eu apoio isso. Sou um feminista! Afinal, sempre tive muitas amigas...
Aliás, já fui muito taxado na escola por conta disso, mas o fato é que, eu não apenas
sempre tive desejo por mulheres, mas sempre... Gostei de mulheres. E inclusive
acho meio estranho o machista dito heterossexual que não suporta ficar em
ambientes femininos e que sempre quer ter um homem junto pra poder conversar,
dar risada, trocar socos carinhosos... (E gay sou eu!?).
Mas bem, desde essa época me considero um feminista, sempre
apoiando direitos e deveres iguais para ambos os sexos, mesmo por que, não sendo um
garoto heterossexual típico (homofóbico, sexista, misógino), eu sempre
sofri muito com o machismo. Achava um absurdo ter que me policiar para ser
visto como homem de verdade e, especialmente, não poder ter amigas (porque
homem de verdade não tem amiga, tem alvo...). Durante a faculdade fiz alguns projetos
de pesquisa sobre gênero e estudei bastante a questão da masculinidade (vou
deixar umas referências pra quem se interessar lá embaixo). E esse é um tema
que ainda gosto muito de discutir e acredito que guia meu dia-a-dia, me
auxiliando a refletir sobre minhas atitudes e pondo em evidência os resquícios
de machismo nos meus comportamentos.
Eventualmente parei de estudar gênero por que mudei de área
de pesquisa, mas sempre continuei apoiando o movimento e eventualmente
informando pessoas sobre o assunto, apontando atos machistas... Nada de
ativismo, e sim coisas do cotidiano. Mas durante os últimos tempos, comecei a
ver tantas críticas ao feminismo, tantos vídeos e textos, que me causaram certo
estranhamento. Por que mesmo pessoas que eu respeito estavam dando declarações antifeministas
e ao mesmo tempo, antissexistas... O que pra mim, é bizarro, porque sempre
entendi o feminismo enquanto um movimento antissexista... Não?
Nessas declarações, vi muita gente reclamando de várias
coisas, mas principalmente sobre o tratamento que o movimento feminista dava ao
homem. Por este não se preocupar em defender também os seus direitos, e tentando
almejar privilégios (o famoso: "Mulheres e crianças primeiro"). Falam do direito a se aposentar mais cedo que a mulher tem, da
obrigatoriedade do homem em servir o exército, da licença paternidade ridícula
que o homem usufrui, da lei Maria da Penha, que não protege homens em caso de
violência doméstica, etc...
(E há algum tempo atrás até descobri que existia um
movimento de homens que defendia os direitos de homens e achei, de início,
muito interessante. Mas depois descobri que é, na verdade, um movimento
extrema-direita que dá nojo pra cacete, então nem vou colocar esse dito
movimento em pauta. Mas fica a dica pra quem não conhece, se ouvirem falar
sobre "o contrário do feminismo", corram para as colinas!!!)
O fato é que, sim existem diferenças no tratamento de homens
e mulheres. Existem sim, leis sexistas que acabam por oprimir ambos os sexos de formas diferentes. Sim,
os homens também sofrem com o machismo, principalmente aqueles que são
sensíveis ao assunto e percebem que toda e qualquer obrigação baseada no sexo é uma
opressão. Mas os "privilégios" das mulheres que vemos atualmente não
devem ser combatidos enquanto culpa das mulheres ou do feminismo, mas sim do machismo,
por que as leis que regem a nossa sociedade foram criadas a partir do ponto de
vista machista!! Isso tem que ficar bem claro, por que a maioria das pessoas
não percebe que esse fenômeno não opera em nossa sociedade simplesmente na
violência física contra a mulher, mas também está nos comportamentos simples.
Quer exemplos? Abrir a porta do carro para que mulher entre, pagar por tudo
(jantar, cinema, etc...) quando sai com uma mulher, sair brigando na rua pela
honra de uma mulher. Discriminar mulheres que são sexualmente ativas. E tem
mais um monte...
Então sim, eu sou feminista por que sou simplesmente contra
tratar a mulher de forma diferente. É óbvio que sempre vamos tratar indivíduos
de forma diferente, mas tratar um indivíduo de forma diferente baseando-se
simplesmente em seu sexo é sexismo. Simples. E se a definição de feminismo é
ainda aquela dada pelo dicionário há 14 anos, sou um feminista ferrenho.
Mas... As coisas sempre complicam...
O Papel do Homem
Ontem um vlogueiro famoso e que eu gosto muito postou em sua
página do Facebook a seguinte frase: "Alguma amiga feminista aí pode me
explicar que merda é essa de falar que homem não pode discutir feminismo agora?
Isso aí é coisa de umas doidas né, por favor? Não é o que vocês todas estão
pensando, espero."
E a coisa toda deu merda. Até onde eu acompanhei tinham mais
de 500 comentários [editado: mais de mil comentários...], uma discussão acalorada e opiniões de certas feministas que
me fizeram realmente repensar minha posição... Opiniões como "homem não
tem que reclamar de porra nenhuma, tem que ficar quieto e OUVIR" ou
"Simplesmente por ser homem, você é o opressor, então não tem papel aliado
ao oprimido" ou "Você não sabe fazer uma análise de classes, então fique
quieto e vá estudar" (WTF), ou "Ser anti-sexista é sua obrigação e não tenho que te explicar nada" e outras coisas que já nem me lembro mais...
E ai comecei a pesquisar e repensar sobre o assunto...
Acho que o principal ponto aqui é que existem vários
movimentos feministas, sendo que alguns são mais radicais que outros, enquanto
alguns querem criar espaços exclusivamente femininos, outros aceitam homens, e
outros ainda querem as duas coisas. Uns aceitam que homens falem, mas outros
acham que o simples fato do homem querer tomar a palavra um ato de machismo. Inclusive existem algumas frentes feministas que excluem qualquer um que não seja uma mulher "de verdade" (ou seja, fora trans!).
Então me pergunto neste caos todo, qual é o papel do homem dentro de um movimento que, a priori, defende os direitos iguais entre os sexos?
Então me pergunto neste caos todo, qual é o papel do homem dentro de um movimento que, a priori, defende os direitos iguais entre os sexos?
Eu pessoalmente abomino essa ideia de que simplesmente pelo
fato de eu ser homem, sou um opressor (eu, como indivíduo, sendo opressor de
mulheres) e que por ter privilégios na sociedade, não posso ter voz alguma
enquanto feminista... Na verdade, nem abomino... Simplesmente apago na minha
memória. Por que essas opiniões são sexistas no mais puro sentido da palavra. Existem
sim homens que não são sexistas e que estão sendo oprimidos simplesmente por
conta de seus corpos... Ter um pênis não e minha escolha, eu nasci assim... Ser hetero
não é minha escolha, eu nasci assim, agora, ser feminista é minha escolha de
vida, então quando sou rejeitado por coisas que não escolhi e não sou reconhecido
por minhas escolhas, a coisa toda fica muito injusta.
Lutar contra o machismo ou contra os homens? (ou, Dar tiro
no próprio pé ajuda?)
Aqui vai a minha opinião de um movimento feminista ideal. Isso não é machismo, isso é opinião, e eu não estou entrando num
grupo feminista e colocando meu ponto de vista em prática, não estou coagindo
ninguém a fazer o que eu penso. Estou escrevendo no meu espaço, fazendo uso da
minha liberdade de expressão. Está claro? Pois bem...
Um grupo que defenda direitos iguais entre os sexos deve sim
dar mais atenção às mulheres, e sim, concordo que as decisões devem ser feitas
por mulheres, guiando seus objetivos em prol de uma sociedade que seja mais
igualitária na questão dos sexos, principalmente em nossa sociedade, em que o
machismo é fortíssimo, sutil ou escancarado, e causa o sofrimento de muitos,
principalmente de mulheres. Mas esse movimento deve valorizar muito a
participação de homens, não por que "nós, homens" (como se fosse um
grupo heterogêneo... cf Schpun, 2004)
somos especiais, mas por que somos os representantes sim do machismo, então
nossa participação no movimento legitima a finalidade do movimento, de
igualdade contra um inimigo em comum, o machismo.
Grupos que excluem homens do movimento feminista e que
levantam a bandeira de que o inimigo é o homem, e não o machismo, estão sim
dando tiros nos pés, por que, de forma contrária, legitimam a desigualdade de
dentro pra fora... Argumentos como esses que citei acima (que fizeram no post
do vlogueiro) apenas fazem com que eu me sinta marginalizado dentro de algo que
defendo e acredito há mais de dez anos... E isso é dar tiro no pé sim! Não por
que acho que a minha participação individual seja grande merda, mas se a cada
frase dessas, o movimento perde N aliados, no final, o feminismo vai dar vários
passos pra trás, e voltar a um momento em que eram marginais de verdade.
Quanto aos argumentos antifeministas que tenho ouvido, acho
que são válidos até certo ponto, por que apesar das leis sexistas e privilégios
e faltas de direitos e etc... Vejo sim, movimentos feministas que defendem
direitos dos homens, como o exemplo da questão da licença paternidade e do projeto
de lei nº293 de 2013 (criado por um órgão de defesa da mulher, vale mencionar) contra
a violência de gênero, que não especifica sexo nenhum , nem do agressor e nem
do agredido em contextos domésticos e, portanto, também protege o homem.
Outra coisa, acredito sim que o movimento feminista se
compromete a lutar em questões que a diferenciem na sociedade e que, por
conseguinte discriminem os homens, como a aposentadoria mais cedo ou o
direito/dever de servir o exército (conheço muitas mulheres que sofrem pelo
fato de não poderem servir o exército aos 18 anos). Então essas reclamações
específicas, são enviesadas.
Só pra concluir, ainda me considero um feminista e acredito
que o feminismo ainda tem muita luta pela frente. E esses grupos que não querem
minha presença, simplesmente por conta do meu sexo biológico... Uma pena pra
eles, cada um com sua luta.
Dicas de leitura e referências:
Badinter, Elisabeth. XY: sobre a identidade masculina. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
Bourdieu, Pierre. A Dominação Masculina. Tradução. Maria
Helena Kuhner. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
Nolasco, Sócrates. De Tarzan a Homer Simpson: banalização e
violência masculina em sociedades contemporâneas ocidentais. Rio de Janeiro:
Rocco, 2001.
Nolasco, Sócrates. O Mito da Masculinidade. Rio de Janeiro:
Rocco, 1993.
Schpun, Mônica Raisa (org.). Masculinidades. Boitempo
Editorial-Edunisc, São Paulo. 2004.