quarta-feira, 6 de novembro de 2013

O que dizem por ai

Continuando a série de posts sobre o assunto Pesquisa com sujeitos animais não-humanos, decidi comentar e reclamar um pouco sobre um dos artigos que li em uma revista popular. 

O Texto

Bom, o artigo que li (e que praticamente me jogou nesse mundo de escrever pra pessoas desconhecidas) foi publicado na revista "Pragmatismo Político", com o título "Instituto Royal: Como é e como funciona". E apesar de ser um jornal de esquerda e pode não representar o referencial político geral, o artigo não apenas representa a visão de muitas pessoas, mas endossa essa visão de forma explícita, então tomei o artigo como norma para escrever esse post.

O texto começa com os dizeres "Professor aposentado da Unicamp Carlos Alberto Lungarzo tenta desvendar o que faz o instituto, quem são seus clientes, que experimentos fazia com os beagles resgatados e como garantir o avanço ético da ciência"...
E aí, o que imaginamos? Eu, pelo menos, achei que era um cara fodástico na área de pesquisa com animais-não-humanos e que estava fazendo uma grande declaração, com evidências, mesmo que pessoais, sobre o Instituto Royal . Mas aí, depois de ler o texto todo (e nossa, como ele extrapola o objetivo vendido no título), me deparo com a mini-biografia do autor:

"Carlos Alberto Lungarzo é matemático [...]É professor aposentado da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) [...] Tem escritos vários livros e artigos sobre lógica, estatística e computação quântica"...

E ai eu me pergunto. Que espécie de autoridade no assunto é este sujeito? Não o conheço, não sei se é gente boa, se é bem visto em sua própria área de atuação, etc, etc, etc... Mas sei de uma coisa: Ele não construiu sua carreira lendo artigos científicos sobre estudos com animais... Simples assim. Pode ser que ele seja uma autoridade e que essa literatura é seu hobbie secreto? Claro... Mas eu duvido muito... É mais fácil acreditar que ele é apenas mais um defensor dos direitos dos animais, mas que tem uma carreira intelectual e, por isso, goza de certo respeito ao falar de qualquer coisa...

Bom, vou destacar certos pontos do texto. Não quero discutir sobre os males ou os benefícios do Instituto, por que simplesmente não quero entrar nesta discussão. O Instituto é "real"? Segue as leis? Só quer dinheiro?... Isso tudo implica em uma discussão de um milhão de posts, e sinceramente, já estou me excedendo com 4 textos sobre o assunto, e quero me prender ao tema que me propus a escrever: Pesquisa com animais.




Pontos e Contrapontos

O texto começa com: "Ativistas dos direitos animais, desarmados, entraram num bunker de tortura de bichos protegido por guardas, para liberar 178 beagles"...

Sério? Isso é um artigo jornalístico ou pregação? Eu tenho acompanhado algumas discussões sobre o assunto e todos aqueles textos ou vídeos feitos por ativistas usam termos como tortura, escravidão, abolicionismo, holocausto...  Sério mesmo? Pra mim isso é antropomorfismo, conhecem? Dar atributos humanos a coisas, animais, deuses, etc... E esse comportamento é, cientificamente, encontrado em crianças nas primeiras fases do desenvolvimento... Na minha humilde opinião, ele quer fazer poesia pra tocar os corações dos leitores. E todo argumento que tente sensibilizar, pra mim, é questionável. Sempre. 

Depois de meter o pau na Instituição (que quero deixar de lado em boa parte), ele fala sobre o repúdio de cientistas aos defensores dos animais...
"Muitos defensores de animais, especialmente líderes, aconselham calma e mesura aos seus colegas em suas ações, porque a comunidade científica está quase totalmente contra os ativistas"
Quase totalmente? A pergunta certa não é por que estão quase totalmente, e sim, por que não estão totalmente contra essas ações.

Em 2008, ativistas invadiram um laboratório do Instituto de biociências da USP, quebraram vários equipamentos e destruíram materiais de pesquisa (inclusive equipamentos caros, comprados com dinheiro público) e, no mínimo, como produto, destruíram os trabalhos científicos de dezenas de alunos. E um detalhe, o avanço científico é primordial no avanço de um país e de uma sociedade. E não só avanço econômico,  mas de qualidade de vida. Ou você acha que hoje em dia vivemos o dobro de anos dos nossos bisavós por glória divina?

Ai ele continua e fala sobre o apoio absurdo dos cientistas à pesquisas com animais:

"[...] se a ciência está fundada sobre o empirismo e o racionalismo em ação conjunta, como é possível que a grande massa dos cientistas esteja equivocada? Esse é o ponto.
Os cientistas não estão equivocados. Mas nós devemos diferenciar entreracionalidade [sic] científica e racionalidade ética. Quando estas estiverem integradas o mundo será uma maravilha, agora podemos reconhecer essa integração nas obras de algumas poucas figuras brilhantes da história da ciência do século XX como Bertrand Russell, Linus Pauling, Noam Chomsky…"

Bom, primeiramente, dentre estes, pelo que eu saiba, só Pauling foi um cientista... Russell era filósofo e Chomsky é um político.
Aqui é óbvio que o senhor Lungarzo deseja a volta de uma época perdida, em que a relação entre a filosofia e a ciência era um casamento perfeito, porque hoje em dia cientistas já não sabem mais o que é ética, enquanto os grandes "cientistas" de antigamente pensavam sobre o assunto... Bom, acho que ele esta sendo saudosista, mas esse é assunto para outro post. 

O fato é que, nenhum cientista gosta de matar suas cobaias, enquanto que tortura... Tortura de verdade (violência pura com fim em si mesmo), não existe, por simples questão de controle de variáveis (e pra quem não sabe sobre controle de variáveis  vou descrever isso no próximo post)... Mas como tem muita gente ai dizendo que colocar o bicho em uma gaiola (mesmo que seja climatizada, espaçosa, limpinha, etc...) é tortura, e que os bichos também são gente e que devem ser também sujeitos aos direitos humanos, de ir e vir e blá, blá, blá... É melhor eu parar de escrever sobre esse ponto...

Bom, ai ele volta a falar do Instituto Royal, e seu principal argumento pra desqualificar a suposta spokeswoman do Instituto (uma tal de Silvia Ortiz) é de que ela não tem currículo lattes... Bom, desculpa, eu  usei esse argumento contra várias pessoas que quiseram se passar por pesquisadores (vide Malafaia), mas a mulher esta defendendo sua empresa, e não sua produção acadêmica... Então acho fraco o argumento.

Ai ele conta sobre o caso do Norplant, que foi testado em humanos e deixou várias mulheres do terceiro mundo estéreis... Bom, pra mim, esse argumento é um tiro no pé. Por que se fosse testado em animais, em ambiente controlado, conforme a lei... Não teríamos tido esse problema. E sim, prefiro que porcos fiquem estéreis do que mulheres humanas sofram deste mal... Me processem.
Isso me lembra o caso da talidomida, que foi pouco testada em fase pré-clinica (com animais) e foi logo lançado para o publico... E deu merda. Por que? Por que faltaram estudos com animais!...
O argumento paranoico do Follow the money (algo como, veja quem ganha com isso, que você descobrirá o verdadeiro culpado) é muitas vezes funcional. O problema é que ele serve para os dois lados da discussão. Eu, sinceramente, acho que a obrigação das empresas testarem seus produtos antes de lançar no mercado é um obstáculo para a empresa, além de serem custosos. Se for só uma questão de grana, seria mais fácil fazer menos pesquisa e vender logo o troço. Por que demanda sempre tem...

Aí ele segue para o: "É óbvio que o Royal e seu staff estão tentando se esconder, e isso parece ter sido sua atitude desde o começo. As hipóteses sobre as causas deste mistério podem ser várias, mas todas são da mesma índole."
Bom, até onde eu saiba, essas empresas e inclusive funcionários, tem a obrigação de manter sigilo sobre suas práticas, mas não necessariamente para encobrir crimes, e sim para evitar espionagem industrial... Poxa, isso acontece até na academia. Vira e mexe um pesquisador descobre o que outro esta fazendo, vai lá, faz a mesma coisa, publica antes e ganha a fama...  Quando se trata de inovações, isso é bem normal.
Outra coisa, imagine que uma empresa queira vender seus produtos com o lindo selo "Cruelty Free" (que pra mim já é uma frase babaca em si, mas deixemos de lado). Ela assina um contrato com um Instituto alheio pra fazer a pesquisa com aquele produto, e no contrato existem clausulas de confidencialidade... Então obviamente o staff vai se esconder se começarem a fazer perguntas...
Pode ser que eles estavam comendo beagles no café da manhã? Depois se banhavam em sangue de coelho pela tarde e a noite faziam orgias zoofílicas? Claro! Mas além de eu duvidar muito, o que me deixa fudido é todo o maniqueísmo da coisa toda. "O staff não quer declarar nada!? Então eles são satanistas!"...  tsc tsc tsc

Bom, e no final, ele endossa o mito dos métodos alternativos serem renegados pela ganância dos laboratórios:  
"[...]a realização de numerosos experimentos cruéis onde se mutilam, esquartejam, cegam, queimam e matam milhares de animais, diminui as despesas dos laboratórios, pois é menos caro que experimentos In silico (simulação com computador) ou in vitro (ensaio com culturas)"

Desculpa, mas com relação aos experimentos cruéis, matanças, cegueiras e tudo o mais... Acho que todos devemos ler mais artigos científicos e realmente avaliar o que acontece, ok? Então nem vou comentar, leiam meu post anterior. Da mesma forma quanto aos métodos alternativos, que existem, mas não para tudo. Existem métodos alternativos, eu chuto, para cerca de 15% das pesquisas que antes demandavam animais, de resto, as alternativas apenas podem diminuir o número de animais sendo usados (como exemplo, a pesquisa que descrevi também no post anterior).

Agora, a questão do "Follow the money" novamente, é embaraçoso. Será que as pessoas sabem o quanto custa manter animais em condições estáveis e de qualidade. Alimentação, climatização, eliminação de estresses causados por um milhão de variáveis, doenças, tudo! E o espaço que demanda um lugar como esse? Alguém conhece biotérios de faculdades? Pelo menos toda faculdade que conheço tem problemas sérios de espaço. E os funcionários qualificados e pagos para manter esses biotérios? Isso tudo gera custos.

Então, até que alguém me mostre em fontes confiáveis que um método alternativo é mais caro que a pesquisa com animais, eu não vou cair nesse argumento. 

Depois ele continua falando sobre os seguimentos do movimento em defesa dos animais e tal... E isso não cabe comentar aqui.

Bom, é isso.
Abraços e até mais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário